Rondônia ainda é um estado que se tem muito a explorar, principalmente no que diz respeito ao Turismo Ecológico, onde podemos conciliar o seu potencial agropecuário, com a exuberante flora e fauna sem contar com a beleza de nossos rios, lagos e igarapés.
Nesta nossa convivência em Rondônia, tivemos o privilégio em participar de diversas aventuras, principalmente pescarias.
O nosso amigo AMADEU MACHADO teve a brilhante idéia de começar a narrar algumas de nossas divertidas e bem sucessedidas aventuras no rio Jamari:
O Ney acordou no meio do rio, a barraca
virou colchão e a malária fez um strike
Era
o verão de 1976.
O Décio comprou uma barraca de
camping, dessas de última geração. Tinha três quartos, só faltava ter suíte.
Precisava inaugurar o equipamento e
para isso organizamos uma pescaria.
Arrumamos uma caminhonete, sei lá se
F 1000, ou D-20, um barco de aluminio e um motor de 25 hp.
Fomos aos supermercados Teixeira e
Melhoral, onde compramos as provisões para a aventura: 1 kg de tudo, arroz,
feijão, acúcar, sal, carne e tomate e um isopor de 120 litros, bastante gelo e
uma montanha de cerveja.
Integravam a equipe o dono da
barraca, Décio Bueno, que também tinha uma Winchester, Ney Leal (grande
pescador, caçador e dono de inesgotável repertório de mentiras), o Naim Aguiar,
amazônida puro, lá do Pará, o Afonso, pau prá toda obra e eu, neófito pescador.
Saímos de Porto Velho bem cedo, para
evitar a enorme quantidade de poeira da estrada. Depois de uma hora e pouco já
estávamos no distrito de Candeias, onde nos esperava o Afonso, já que ele
morava naquela vila.
Seguimos viagem. Mais duas horas e
chegamos à ponte do São Pedro.
São Pedro era um seringal já
desativado, que tinha sido comprado por uma viúva gaúcha. Quando por aqui
esteve um sobrinho dela, conheceu o Ney, que advogava com o Fouad e o contratou
para administrar o Seringal.
Este administrar significava pagar a
um empregado, que fosse bom mateiro e circulasse pela propriedade, que tinha
uns 60 mil hectares, para identificar alguma invasão.
A ponte do São Pedro era de
concreto, na BR-364, e dava passagem sobre o Rio Jamari.
Mais tarde com a construção da
hidrelétrica de Samuel essa ponte ficou embaixo d'água e lá deve estar até
hoje. Provavelmente a tenham destruído.
O Afonso, no caso, era o mateiro contratado
pelo Ney, que fazia a segurança do Seringal. Nós todos morríamos de rir porque
o Afonso, mesmo sendo um caboclo muito forte, era de uma simplicidade e
generosidade tocantes, ao mesmo tempo em que tinha medo de tudo. Mas era muito
medo, de visagem, de bicho, de índio e por aí vai.
Chegados à ponte o barco, o motor, a
tralha, a barraca, o combustível foram transportados barranco abaixo pelo
Afonso, é claro.
Na verdade o Naim deu uma ajuda boa.
Eram cinco homens e mais aquela
tranqueirada toda em cima de uma voadeira, com motorzinho de 25 e subindo o
rio. Dá prá imaginar que em vez voar, nos arrastávamos rio acima.
Subimos uma hora e pouco e a fome
bateu. Na época as praias do Jamari eram maravilhosas. Areia bem branca e
fininha, igualzinho areia do mar. Encostamos numa daquelas praias e devoramos
pão, salsicha, presunto, queijo, tomate e cerveja para empurrar aquio tudo para
o estômago.
Muita conversa, a euforia já havia
tomado conta de todos, por conta da quantidade de cervejas ingeridas.
Mais duas horas e chegamos ao
paraíso. A praia mais linda que já tinha visto na minha vida. Enorme faixa de
areia e de um lado mata amazônica virgem, do outro o rio Jamari, maravilhoso,
água cristalina, quentinha, correndo mansamente. Na outra margem mata densa.
Afonso e Naim descarregaram o barco.
O Décio cuidava da barraca, do isopor, e de vez emquando dava um tiro com o
rifle novo, enquanto Ney e eu tínhamos a mão congelada de segurar latinhas.
Já devia ser umas 4 horas da tarde e
resolvemos montar a barraca enquanto tínhamos a luz do dia.
Desenrola aquela montoeira de
pano e estende na praia.
Cadê o manual de instruções. Cadê,
cadê... está aqui, disse o Décio.
Crava uma estaca aqui, outra ali,
outra mais adiante... não aí não, vira para o outro lado, isso, não, não...
E estrutura para levantar a barraca
deve ser isso aqui; é deve ser, sei lá.
Encaixa isso aonde? No teu... Pô
assim não dá, além de não ajudar fica atrapalhando, sai daí seu pinguço. Não
pisa no pano cara!!!!
Vira tudo para o lado de cá. Caramba
Décio, essa coisa é tua e tu não sabe nada e quando dá palpite tá errado.
O suor escorria porque, mesmo já se
recolhendo o sol, o calor era intenso.
De repente diz o Ney, depois de
muito gritar com todos e com cãibra no braço de segurar latas.
Vou dar uma dormida, porque à meia-noite eu
vou caçar paca.
Fez um travesseiro com areia, deitou
e, como sempre acontecia, ao recostar a cabeça já estava roncando. E roncava
muito...
O Décio e eu sentamo-os sobre o
isopor, já que não havia cadeira ou cadeirinha, ou rede. Bebíamos por música.
Quando a minha latinha acabava, a dele também. Jogávamos a vazia fora,
erguíamos o corpo o suficiente para liberar a tampa do isopor e pegávamos
outras duas, bem geladas. Sincronia perfeita.
Havia uma fogueira no meio do
projeto de acampamento, onde ardiam pedaços grandes de árvores.
Estávamos ali a contemplar o fogo
que crepitava, enquanto Afonso e Naim erguiam e desmanchavam a enorme e catastrófica barraca pela enésima vez. Perto de nós dormia o Ney.
O Décio é um cara muito inquieto e
está sempre arquitetando alguma coisa, que normalmente não há de ser boa para
alguém.
De repente ele se levanta, caminha
em direção à fogueira, pega um pedaço de madeira em chamas e o arrasta para bem
perto do Ney.
Entendi a mensagem e fiz a mesma
coisa. Em cinco minutos a fogueira estava colada no pobre coitado que dormia,
roncava e suava, mas suava muito. Parecia que as gotas de suor eram expelidas
sob pressão.
Aí a derradeira maldade.
Décio pede para Afonso e Naim não
fazerem barulho. Combinamos que no três nós começaríamos a bater com força na
caixa de isopor e a gritar onça, onça, olha a onça.
No três tudo aconteceu. O nosso
soneca deu um salto na horizontal de um metro e meio, ainda dormindo, com
certeza, mas enlouquecido com a gritaria se pôs de pé e danou a correr na
direção do rio, onde entrou e no contato com a água, já pela cintura, foi que
ele despertou.
O Afonso rolava de rir na areia e
nós não deixávamos por menos.
Claro que tivemos que esconder a
espingarda e as facas por algum tempo.
Nesse meio tempo a noite chegara e a
barraca estava estendida no chão. Um dos três quartos dela estava levantado
pela metade.
O Naim preparou alguma coisa para
comermos e o Ney se retirou para tentar caçar uma paca, e o Naim foi junto.
A lua cheia parecia um farol.
Nós ficamos por ali, atiramos umas
linhadas no rio, mas, se bem me lembro, não tínhamos isca nenhuma, talvez nem
anzol.
A cerveja foi escasseando, o sono
chegando, mas ninguém queria dormir, com medo da vingança do "macaco",
que ainda estava muito brabo com a nossa brincadeira.
O cansaço, por fim saiu vencedor. Lá
pelas tantas o Ney voltou da frustrada caçada e chegou jogando areia em todos,
houve correrias e tombos, mais algazarra e em seguida todos estavam adormecidos,
entorpecidos.
No dia seguinte resolvemos voltar
para casa.
A vontade era de jogar no mato
aquela porcaria de barraca, mas a trouxemos de volta. Isopor vazio, combustível
acabando e rio abaixo, levamos menos da metade do tempo para chegarmos à ponte
do São Pedro.
Afonso carrega tudo barranco acima,
com a permanente solidariedade do Naim. Ajudamos a puxar o barco porque ele e
Naim não davam conta. Tudo arrumado, volta prá casa.
Em Candeias joga o Afonso para fora
e ele sai dando risada e com uma derradeira latinha na mão, que ele tinha
escondido. Quase voltamos para tomá-la dele, mas o cansaço era maior.
Chegamos em casa. Que coisa boa!
Jogamos a barraca do Décio na
calçada e mandamos ele fazer um curso de engenharia para montagem de barracas.
Passados doze dias o Décio avisa que
estava com malária, era vivax.
Com treze e quinze dias caem o Ney e
o Naim, chegando notícia do Candeias que o Afonso também estava doente.
Eu a rir deles.
Pois no décimo nono dia a minha
apareceu e veio muito forte. Dor de cabeça horrível, febre altíssima, dor no
corpo todo, náusea permanente.
Ia-se à SUCAM, fazia-se a lâmina,
vinha o resultado e o medicamento era entregue. Em alguns casos os agentes da
SUCAM iam na casa do paciente para fazê-lo tomar o remédio.
Para nós eles entregaram 10
pastilhas de cloroquina e 14 de primaquina. No primeiro dia tomava-se 4
cloroquinas e nos dois dias subsequentes mais três, ou seja, esquema de futebol
agressivo, 4/3/3.
Depois, para manutenção, uma
primaquina por dia, durante 14 dias. Pronto, estava curada a malária.
Nós já consorciávamos a primaquina
com whisky ou cerveja, fato que até hoje põe nosso fígado em polvorosa.
Nunca soube se algum dia alguém
conseguiu montar a barraca do Décio, ou se ele tocou fogo nela, depois da
vergonha que passou com aquele fenômeno de tecnologia.
Entre mortos e feridos todos se
salvaram.
De qualquer maneira foram bons e
gloriosos dias que nós passamos, em uma aventura rústica e pura, no estreito
contato com a exuberante natureza, que sobre nós despejava incensos incessantes
de felicidade e alegria de viver.
Que enorme saudade!!!